sexta-feira, 4 de março de 2011

O poeta

Filtrado pela luz da noite vindo,

com os ombros sopesando a morte, mudo,

a tropeçar na sombra, além ouvindo

o latido de dor de um cão ao fundo,


ele abriga os sinais da vida extinta.

Soberana e pousando leve em tudo,

nívea noite sem trilhos vai seguindo

o maltrapilho ator sem sobretudo.


Tem derrubados braços, o dorso curvo,

está em plena luta contra o curso

do duro deus que a todos vai vencer.


Mas quem senão o rei de tanto enfado

pode conter em si o ser, e ilhado

domar todas as coisas e morrer?

quarta-feira, 2 de março de 2011

Estranha fé

Vi a Vida sair por chaminés,
amor se dissipando, tendo fim,
amor que já filtrou o seu café,
vida sem vida, rosa de nanquim.

Mas estranha, estranha é a nossa fé,
que acende outro carvão e rega a vinha;
vem com toda audácia jovens pés,
e entoa o velho canto quem caminha.

Se tudo sempre acaba em penúria,
nas folhas secas, ocres, um augúrio,
vem sorridente a larva em nova ova:

cresce o casulo, broto na ferida,
viceja o canto e o pranto, e margaridas
incontidas tremulam folhas novas!

Novo bairro

O novo bairro sem gente
é estéril argamassa.
Sem telhado, os indigentes
dormem na lua que passa.

Portas não há para as almas,
que ainda esperam igreja:
Deus, para o bairro de cal,
sua vinda ainda enseja.

(Ausência prepara ausência).

Esse bairro inumano,
se não tem os moradores,
mora lá faz mais de ano
Dona Senhora das Dores.

(Que fez lá uma vivenda).